Por que beleza não se põe à mesa?
Nem sempre o belo respeita a essência
das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade
social. Não é porque há beleza que há ética! Inexiste, portanto, uma relação
entre ética e beleza. Historicamente determinado, assim como a ética, o belo
muda conforme transformam as relações entre os sujeitos e tal qual se alteram
os padrões estéticos de determinada sociedade. A distância entre a aparência e
a essência é sintoma do abismo entre ética e estética, o qual muitas vezes está
presente no mundo das artes, nas personalidades autoritárias-fascistizantes,
nos valores da sociedade burguesa em que vivemos no Brasil – sociedade que possui
um charme estamental ou aristocrático, acompanhado de abomináveis valores e
formas de dominação.
Nada mais distante da ética do que a
divisão do trabalho e a propriedade privada, ambas segmentam os indivíduos em
exploradores e explorados, ociosos e escravos, intelectuais e peões etc. Os
sistemas filosóficos, as correntes estéticas, os bens culturais se nutrem
historicamente das relações de dominação entre os homens. O excedente econômico
sustenta as formas de abstração, embora hoje, a cultura se destaca enquanto
mercadoria, que dispensa o pensar. Já dizia Benjamin, a civilização brota da
barbárie e vice-versa. A arte, a filosofia, as formas ideais, cujas
preocupações alheiam-se das questões éticas hoje são distrações que corroboram
a decadência cultural da sociedade burguesa em crise.
O fascismo é uma manifestação estética
cultural e política que nutre uma preocupação com a higiene, com a limpeza. Alimenta
uma concepção do belo, porém, isenta de qualquer princípio ético. Desde a
Itália de Mussolini, os fascistas sempre zelaram pela higiene dos lares, das
instituições, a limpeza dos ambientes. Já a forma exacerbada do fascismo, o
nazismo, tem como ideal racionalizador de sua irracionalidade a eugenia, a
seleção de determinados caracteres fenotípicos arianos. O nazismo, além da
extrema preocupação com a forma dos corpos, das construções, das formas
arquitetônicas, extermina toda diferença e recusa o conceito de igualdade. Essa
ideologia ao se tornar um regime político, quis impor goela abaixo seus ideais.
Querem uma sociedade de pessoas caucasianas, com olhos claros e quem não se enquadrava
nesse perfil era morto em escala industrial. Trata-se de uma distopia, o avesso
deturpado das utopias humanas.
Com
efeito, estética sem ética é uma manifestação fascista e nazista. Estes
fantasmas da contemporaneidade nada em comum possuem com o socialismo, que se
orienta pela emancipação humana das formas de dominação vigentes (classe,
gênero, ambiental etc.). A estética sem a ética cumpre um papel fundamental
para as formas de dominação instituídas. Ademais, os padrões estéticos embalam
e valorizam as mercadorias, eles realizam-se na publicidade, na moda e no
design.
A distância entre estética e ética é um
problema substantivo. Na periferia do mundo burguês, construído em mais de três
séculos de escravidão, certos fenotípicos tornaram-se tão degradantes quanto à
posição social dos ex-escravos, libertos e homens livres. A associação entre
cor e posição social, é mais uma dessas aberrações presentes no Brasil. Para se
ter ideia, quem não era branco antes de 1888 tinha de provar sua condição de
homem livre para não ser tratado como escravo. Ainda hoje, na criminologia
brasileira, no senso comum das odiosas instituições da repressão interna, as
policias civis e militares, partem do princípio de que todo mulato, negro e
pobre é em princípio um criminoso do colarinho sujo. Quem dispõe de direitos e
privilégios no Brasil são os caucasianos, que aparecem nas telenovelas e na
televisão com seus sorrisos vendidos, que defendem causas corporativas com seus
jalecos brancos, ternos e gravatas. A riqueza tem cor no Brasil.
No dia-dia, a sociedade burguesa
faz-nos engolir seus padrões estéticos, seus passageiros modismos mercantis
expressos na publicidade. Academias e produtos estéticos tornam a força de
trabalho mais atraente para ser explorada pelos agentes do capital. Principalmente,
em relação às mulheres, que muitas vezes reproduzem formas de dominação
machistas, para serem aceitas na sociedade de consumo recente no Brasil. Há também pessoas, que se
consideram “artistas”, “belas”, mas são tão tolas, vazias, estúpidas, que agem sem
ética, reproduzindo ingenuamente as formas de dominação instituídas. Quando
elas são sequestradas e postas numa favela com um revolver em punhos na mão de
um adolescente, elas percebem que de nada serve a beleza delas e aquilo que
elas julgam como belo.
Enfim, não é porque uma pessoa é bela,
possui um corpo atraente, um sorriso encantador que ela será ética. Ser bonito
não torna as pessoas mais ou menos propensas a superar paixões e desejos
irrefletidos, capazes de por abaixo a interação entre as pessoas. Ser belo não
é condição suficiente para aceitar o conjunto de regras e
preceitos de ordem valorativa e moral de uma sociedade. Refiro-me, não a
moralidade burguesa, mas às regras básicas de convivência, sem as quais se
instaura a guerra de todos contra todos. A beleza por si mesma não torna nada
nem ninguém mais ou menos ético.
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